quinta-feira, 11 de julho de 2013

Inteligência prática e sabedoria prática

 
Inteligência prática e sabedoria prática


Neste texto, Dejours conceitua inteligência como a habilidade de lidar com as situações e a capacidade de resolução de obstáculos. Para tanto, não basta o saber. Há sim, a necessidade do saber-fazer que, nas palavras do autor, refere-se à inteligência prática, astuciosa, adquirida a partir da experiência do sujeito, por isto, é considerada arraigada em seu corpo, pois é através deste, com suas percepções, que se manifesta criativamente, de maneira particular, sendo fundamental para a solução de problema e efetivação do trabalho prescrito.

A inteligência prática é uma das dimensões do trabalho que se movimenta entre a diacronia (ontologia do sujeito) e a sincronia (contexto social, organizacional no presente), ou seja, tem influência sofre influência das ocorrências passadas e atuais.

Supõe-se que o desenvolvimento da inteligência prática ocorre com a contribuição da epistemofilia – curiosidade de conhecer, saber das “coisas” –, dos jogos, da angústia dos pais que desencadeia o sofrimento da criança que, quando adulta encena, como no teatro, as situações vividas no trabalho. Em sendo assim, há uma conversão do sofrimento em inteligência astuciosa, ou seja, o sofrimento cria a inteligência prática, que pode ser interpretada, inclusive, como mecanismo de defesa da estrutura psíquica do sujeito, motivo pelo qual não pode ser podada nas organizações que, por vezes, engessam a criatividade do trabalhador.


DEJOURS, Christophe. Inteligência prática e sabedoria prática. In: LANCMAN, Selma; SZNELMAN, Laerte I. (org.). Christophe Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004




Inteligência prática e sabedoria prática: duas dimensões desconhecidas do trabalho


     O que é ser inteligente? A resposta para essa pergunta se encontra nos testes de QI? Nas provas das melhores universidades? Nas provas esportivas de alto desempenho? Na execução da quinta sinfonia de Beethoven? Ou na administração de empresas multimilionárias? Em todos esses lugares. Ser inteligente é mais que ser detentor de conhecimento; ser inteligente envolve astúcia, sagacidade, paciência, empatia, e muita bastante esperteza.
     É partindo do pressuposto de que a inteligência não é uma dimensão absoluta e inata, mas antes uma energia (pulsão) adquirida com base nas experiências familiares e sociais que Dejours apresenta outras formas de considerar e pensar a sabedoria que não apenas os escores e as ocasionais notas.
     No ambiente de trabalho, essa inteligência – sagaz, malandra, pautada na experiência; também pode vir surgir como o saber-fazer, aqueles macetes que só os profissionais conhecem (adquirem através da prática), e que manual nenhum pode oferecer; a inteligência prática não é dada, ela é adquirida.
      Essa inteligência, destaca o autor, é inscrita e alimentada pelo corpo, o corpo a incentiva antes de tudo por um motivo primário e etológico: sobrevivência. Nos ruídos do ambiente de trabalho, no silêncio perturbador, nas vibrações inadequadas, os alertas estão a todos os momentos ativando a linguagem básica e primaria do homem: a linguagem do corpo – porque antes de aprender a escrever ou a pintar nas cavernas, antes de aprender a falar, o homem das cavernas aprendeu a correr, a ouvir e a trabalhar ferramentas com as mãos; essa ‘sabedoria’ foi antes de tudo compartilhada socialmente pelo olhar, pelo sentir, antes que as primeiras palavras tenham sido pronunciadas a comunicação corporal se fez presente e todos nós carregamos essa comunicação e esse tipo de alerta interno conosco.

Esse breve histórico nos apresenta as cinco características básicas desse tipo de inteligência – a inteligência prática:

                              É fundamentalmente enraizada no corpo;
               É mais importante o resultado da ação que o caminho percorrido para chegar aos objetivos;
                              Está presente em todas as tarefas e atividades do trabalho;
                              Possui intenso poder criador;  
                               É amplamente difundida entre os homens;

        A criatividade facilmente alimentada pela astúcia e engenhosidade é paralela à inteligência prática, e por isso tem papel importante nessa caracterização. Essa inteligência abordada por Dejours funciona por tanto como uma pulsão, uma energia motivacional que move as pessoas para saídas mais confortáveis e mais eficazes (em amplos sentidos); mas o ambiente organizacional – em especial aqueles mais clássicos e limitativos podem recalcar essa pulsão; isso ocorre em parte por uma defasagem entre aquilo que o funcionário tras para a empresa: aspirações, desejos, a própria imagem do que seja exercer determinada função e o que de fato acontece: será que ser um funcionário público representa maciçamente tanta estabilidade e segurança assim? E se o funcionário acabar trabalhando em uma instituição instável e precária e acabe se vendo preso em um amontanha de burocracia e morosidade sem perspectivas de crescimento profissional? E então?
             É nesse espaço de defasagem que brota o sofrimento tanto psíquico quanto corporal – para o bem e para o mal eles não estão separados um do outro. A diferença entre a dimensão sincrônica e diacrônica de cada um marca a existência dessa angústia que tanto pode paralisar como mover e motivar a depender justamente da diacronia de cada um: entra aí a historia singular, as experiências infantis, o teatro do trabalho representado na infância pelos jogos e pelas brincadeiras; todas essas ressonâncias simbólicas ecoam na forma de cada um agir perante os desafios – ou a falta deles – no âmbito organizacional e por isso não podem ser desconsiderados ou colocados em segundo plano como propõe abordagens mais antigas e engessadas da intervenção da psicologia organizacional.
           Ao fazer as pesquisas para esse trabalho foi assim inevitável nos situar onde e como estão essas práticas, qual a demanda, se há espaço para a consideração de outros aspectos que não apenas aqueles mais pontuais como as queixas, e os problemas cotidianos. Conforme vimos na disciplina o estudo e a formação do profissional organizacional e psi como um todo possui uma defasagem que se faz presente também nesse setor, mas ainda há esperança!  Da medicina alternativa, a práticas de terapias não-tradicionais, as pessoas tem enxergado cada vez mais um pouco além e nesse meio não é diferente.
           Empresas tem se dado conta de que a administração horizontal pode ser muito mais útil e produtiva que o modelo hierárquico cheio de déficits. E também que não apenas a saúde física é importante uma vez que o bem estar psíquico está diretamente ligado a primeira. Para ilustrar essas questões a frase de Dejours que melhor simboliza isso é:
Se as condições de trabalho tem impacto sobre o corpo físico, a organização do trabalho atua diretamente na psique.
          Cabe também e pincipalmente a direção perceber aqueles fatores que não são ditos, ou postos em fichas e formulários para reclamação; e isso não pode ser feito trancado em escritórios no alto da torre porque isso envolve uma vivencia e percepção aguçadas, certa sagacidade e um olhar e ouvir apurados: isso envolve a inteligência prática.
       Uma administração atual eficiente, dessa maneira, não só utilizaria sabiamente da própria inteligência astuciosa, mas acima de tudo da inteligência astuciosa dos funcionários. Quem faz um trabalho todos os dias cinco, seis vezes por semana, inevitavelmente pode encontrar caminhos, soluções e ‘sacadas’ que não precisam interferir na lógica e teoria da execução do trabalho, mas que pode facilitar a dinâmica social, maximizar o aproveitamento do tempo e melhorar a eficiência da segurança. Com uma boa condução obviamente essas práticas podem, sim, evitar acidentes, mal-estar e tédio no ambiente de trabalho, e cabe a diretoria abrir esse espaço: a inteligência astuciosa estará presente no ambiente de trabalho “Está presente em todas as tarefas e atividades do trabalho”, e o líder do século XXI é aquele que sabe como conduzi-la. Utopia? Pretensão? Loucura?
       Talvez. Assim como era utópico ir de um continente a outro em algumas horas antes de Santos Dumont desenhar o primeiro protótipo de um avião, por exemplo. A engenhosidade humana não tem limites, por que não aproveita-la?
             

Referencia:
DEJOURS, C. Inteligência prática e sabedoria prática: duas dimensões desconhecidas do trabalho real. In: LANCMAN, S.; SNELWAR, L. I. (Org.). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; Brasília, DF: Paralelo 15, 2004a. p. 277-299

Discente: Taís Lima
 


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