Inteligência prática e sabedoria prática
Neste texto,
Dejours conceitua inteligência como a habilidade de lidar com as situações e a
capacidade de resolução de obstáculos. Para tanto, não basta o saber. Há sim, a
necessidade do saber-fazer que, nas palavras do autor, refere-se à inteligência
prática, astuciosa, adquirida a partir da experiência do sujeito, por isto, é
considerada arraigada em seu corpo, pois é através deste, com suas percepções, que
se manifesta criativamente, de maneira particular, sendo fundamental para a solução
de problema e efetivação do trabalho prescrito.
A inteligência
prática é uma das dimensões do trabalho que se movimenta entre a diacronia (ontologia
do sujeito) e a sincronia (contexto social, organizacional no presente), ou
seja, tem influência sofre influência das ocorrências passadas e atuais.
Supõe-se que o
desenvolvimento da inteligência prática ocorre com a contribuição da
epistemofilia – curiosidade de conhecer, saber das “coisas” –, dos jogos, da
angústia dos pais que desencadeia o sofrimento da criança que, quando adulta
encena, como no teatro, as situações vividas no trabalho. Em sendo assim, há
uma conversão do sofrimento em inteligência astuciosa, ou seja, o sofrimento
cria a inteligência prática, que pode ser interpretada, inclusive, como
mecanismo de defesa da estrutura psíquica do sujeito, motivo pelo qual não pode
ser podada nas organizações que, por vezes, engessam a criatividade do
trabalhador.
DEJOURS, Christophe. Inteligência prática e sabedoria prática. In: LANCMAN, Selma; SZNELMAN, Laerte I. (org.). Christophe Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do
trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004
Inteligência prática e
sabedoria prática: duas dimensões desconhecidas do trabalho
O que é ser inteligente? A resposta
para essa pergunta se encontra nos testes de QI? Nas provas das melhores
universidades? Nas provas esportivas de alto desempenho? Na execução da quinta
sinfonia de Beethoven? Ou na administração de empresas multimilionárias? Em todos
esses lugares. Ser inteligente é mais que ser detentor de conhecimento; ser
inteligente envolve astúcia, sagacidade, paciência, empatia, e muita bastante
esperteza.
É partindo do pressuposto de
que a inteligência não é uma dimensão absoluta e inata, mas antes uma energia
(pulsão) adquirida com base nas experiências familiares e sociais que Dejours
apresenta outras formas de considerar e pensar a sabedoria que não apenas os
escores e as ocasionais notas.
No ambiente de trabalho,
essa inteligência – sagaz, malandra, pautada na experiência; também pode vir
surgir como o saber-fazer, aqueles macetes que só os profissionais conhecem
(adquirem através da prática), e que manual nenhum pode oferecer; a inteligência
prática não é dada, ela é adquirida.
Essa inteligência, destaca o
autor, é inscrita e alimentada pelo corpo, o corpo a incentiva antes de tudo por
um motivo primário e etológico: sobrevivência. Nos ruídos do ambiente de
trabalho, no silêncio perturbador, nas vibrações inadequadas, os alertas estão a
todos os momentos ativando a linguagem básica e primaria do homem: a linguagem
do corpo – porque antes de aprender a escrever ou a pintar nas cavernas, antes
de aprender a falar, o homem das cavernas aprendeu a correr, a ouvir e a
trabalhar ferramentas com as mãos; essa ‘sabedoria’ foi antes de tudo
compartilhada socialmente pelo olhar, pelo sentir, antes que as primeiras
palavras tenham sido pronunciadas a comunicação corporal se fez presente e
todos nós carregamos essa comunicação e esse tipo de alerta interno conosco.
Esse breve histórico nos
apresenta as cinco características básicas desse tipo de inteligência – a inteligência
prática:
É fundamentalmente
enraizada no corpo;
É mais
importante o resultado da ação que o caminho percorrido para chegar aos
objetivos;
Está
presente em todas as tarefas e atividades do trabalho;
Possui
intenso poder criador;
É amplamente
difundida entre os homens;
A criatividade facilmente
alimentada pela astúcia e engenhosidade é paralela à inteligência prática, e
por isso tem papel importante nessa caracterização. Essa inteligência abordada
por Dejours funciona por tanto como uma pulsão, uma energia motivacional que
move as pessoas para saídas mais confortáveis e mais eficazes (em amplos
sentidos); mas o ambiente organizacional – em especial aqueles mais clássicos e
limitativos podem recalcar essa pulsão; isso ocorre em parte por uma defasagem
entre aquilo que o funcionário tras para a empresa: aspirações, desejos, a própria
imagem do que seja exercer determinada função e o que de fato acontece: será
que ser um funcionário público representa maciçamente tanta estabilidade e
segurança assim? E se o funcionário acabar trabalhando em uma instituição instável
e precária e acabe se vendo preso em um amontanha de burocracia e morosidade
sem perspectivas de crescimento profissional? E então?
É nesse espaço de defasagem
que brota o sofrimento tanto psíquico quanto corporal – para o bem e para o mal
eles não estão separados um do outro. A diferença entre a dimensão sincrônica e
diacrônica de cada um marca a existência dessa angústia que tanto pode
paralisar como mover e motivar a depender justamente da diacronia de cada um:
entra aí a historia singular, as experiências infantis, o teatro do trabalho
representado na infância pelos jogos e pelas brincadeiras; todas essas ressonâncias
simbólicas ecoam na forma de cada um agir perante os desafios – ou a falta
deles – no âmbito organizacional e por isso não podem ser desconsiderados ou
colocados em segundo plano como propõe abordagens mais antigas e engessadas da intervenção
da psicologia organizacional.
Ao fazer as pesquisas para
esse trabalho foi assim inevitável nos situar onde e como estão essas práticas,
qual a demanda, se há espaço para a consideração de outros aspectos que não apenas
aqueles mais pontuais como as queixas, e os problemas cotidianos. Conforme vimos
na disciplina o estudo e a formação do profissional organizacional e psi como
um todo possui uma defasagem que se faz presente também nesse setor, mas ainda
há esperança! Da medicina alternativa, a
práticas de terapias não-tradicionais, as pessoas tem enxergado cada vez mais
um pouco além e nesse meio não é diferente.
Empresas tem se dado conta
de que a administração horizontal pode ser muito mais útil e produtiva que o
modelo hierárquico cheio de déficits. E também que não apenas a saúde física é
importante uma vez que o bem estar psíquico está diretamente ligado a primeira.
Para ilustrar essas questões a frase de Dejours que melhor simboliza isso é:
Se
as condições de trabalho tem impacto sobre o corpo físico, a organização do
trabalho atua diretamente na psique.
Cabe também e pincipalmente a
direção perceber aqueles fatores que não são ditos, ou postos em fichas e formulários
para reclamação; e isso não pode ser feito trancado em escritórios no alto da
torre porque isso envolve uma vivencia e percepção aguçadas, certa sagacidade e
um olhar e ouvir apurados: isso envolve a inteligência prática.
Uma administração atual eficiente,
dessa maneira, não só utilizaria sabiamente da própria inteligência astuciosa,
mas acima de tudo da inteligência astuciosa dos funcionários. Quem faz um
trabalho todos os dias cinco, seis vezes por semana, inevitavelmente pode
encontrar caminhos, soluções e ‘sacadas’ que não precisam interferir na lógica
e teoria da execução do trabalho, mas que pode facilitar a dinâmica social, maximizar
o aproveitamento do tempo e melhorar a eficiência da segurança. Com uma boa condução
obviamente essas práticas podem, sim, evitar acidentes, mal-estar e tédio no
ambiente de trabalho, e cabe a diretoria abrir esse espaço: a inteligência astuciosa
estará presente no ambiente de trabalho “Está presente em todas as tarefas e
atividades do trabalho”, e o líder do século XXI é aquele que sabe como
conduzi-la. Utopia? Pretensão? Loucura?
Talvez. Assim como era utópico
ir de um continente a outro em algumas horas antes de Santos Dumont desenhar o
primeiro protótipo de um avião, por exemplo. A engenhosidade humana não tem
limites, por que não aproveita-la?
Referencia:
DEJOURS, C. Inteligência prática
e sabedoria prática: duas dimensões desconhecidas do trabalho real. In: LANCMAN,
S.; SNELWAR, L. I. (Org.). Christophe Dejours: da psicopatologia à
psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; Brasília, DF: Paralelo 15, 2004a.
p. 277-299
Discente: Taís Lima
Que blog mais meigo!!! A cara de Edla Gama...
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